CULTURA E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

TEXTO DE NEWTON FREITAS FONTE: http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=66

CULTURA & DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Da riqueza não vem a cultura, mas da cultura vem a riqueza, disse Sócrates.

A cultura de um povo expressa a qualidade de seu desenvolvimento, afirma Celso Furtado. O desenvolvimento requer invenção e se constitui em ação cultural, acrescenta. Todas as inovações são elementos culturais. Todo conhecimento, a chave da economia contemporânea, é cultural.

A perspectiva econômica nos dá a dimensão quantitativa do desenvolvimento, e a perspectiva cultural, a dimensão qualitativa, observa Joaquim Falcão, mestre em Direito pela Universidade Harvard.

A arte, a cultura e o esporte são instrumentos poderosos de construção de valores, identidades e de perspectivas de futuro. Esses instrumentos deixaram de ser vistos como meras atividades complementares (e frequentemente como simples ocupação do tempo livre) para serem considerados fundamentais em processos de transformação e inserção social. As atividades de lazer e cultura propiciam o resgate da auto-estima, a sedimentação de valores de cidadania e novas perspectivas de vida, conclui Beatriz Azeredo, professora do Instituto de Economia da UFRJ e ex-diretora das Áreas de Desenvolvimento Social, Infra-estrutura Urbana e Planejamento do BNDES.

A cultura vem-se oferecer ao homem como um canal, um desaguadouro, através do qual ele pode conter, conduzir e dirigir seus impulsos, convertendo-os em atividades criativas. O objetivo é uma personalidade harmoniosa e, na medida do possível, isenta de conflitos, analisa Renato Mezan.

É cultural toda experiência da qual saio diferente e mais rico, em relação a antes. Estou no mundo da cultura quando isso não apenas me dá prazer (me diverte, me entretém), mas me abre a cabeça, ou, para falar mais bonito, amplia o meu mundo emocional, aumenta minha compreensão do mundo e, assim, me torna mais livre para escolher meu destino, esclarece Renato Janine Ribeiro.

O Direito, assim como a ciência, a arte e os demais fenômenos sociais, pertencem ao reino da cultura, ao mundo construído pelo homem através da história, de acordo com a doutrina da cultura.

Cultura não é apenas o conjunto das expressões artísticas, mas todo o patrimônio material e simbólico das sociedades, grupos sociais e indivíduos, afirma a Carta de São Paulo, de 01 jul. 2004, divulgada ao final do Fórum Cultural Mundial.

Cada sociedade, grupo social e indivíduo têm um patrimônio cultural singular e esse patrimônio reflete um sistema de valores e um modo de pensar, fazer e sentir próprio, a partir do qual se dá a sua identidade, acrescenta a Carta de São Paulo.

A globalização, o comércio mundial e os mercados devem respeitar os direitos culturais das sociedades, grupos sociais e indivíduos, contribuindo para a diversidade e não para a hegemonia, continua a Carta de São Paulo.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, assim como a Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), definem os direitos culturais como integrantes dos direitos humanos, ressalta a Carta de São Paulo.

As políticas públicas devem ampliar o acesso dos cidadãos aos direitos culturais, incluindo o fomento à produção cultural, o estímulo à difusão de bens e serviços culturais e a proteção do patrimônio cultural, material e imaterial, de nossas sociedades, prescreve a Carta de São Paulo. Ela estatui ainda: os países devem promover espaços culturais diversos, de inclusão cultural e social, nos quais circulem idéias inovadoras e se compartilhem as inquietudes artísticas e intelectuais.

A Constituição, em seu artigo 215, obriga o Estado a garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional, bem como apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais.

De acordo com o artigo 216 subsequente, “constituem patrimônio cultural os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras.objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.”

O desenvolvimento tinha visões unidimensionais: desenvolvimento econômico, desenvolvimento social, desenvolvimento cultural, desenvolvimento político ou desenvolvimento ambiental. Mas veio finalmente a visão multidimensional. A Constituição, em seu artigo 3o., II, declara ser um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil “garantir o desenvolvimento nacional”.

O desenvolvimento multidimensional permite pensar o desenvolvimento em termos de acesso efetivo ao conjunto dos direitos humanos. Os direitos humanos são de três tipos: 1) os direitos políticos, ou seja, a cidadania e a democracia; 2) os direitos econômicos, sociais e culturais; 3) os direitos difusos ou coletivos, como o direito à cidade, o direito ao ambiente saudável e, também, o direito ao desenvolvimento.

O desenvolvimento é, pois, um processo de apropriação crescente e efetiva, por todos nós, dos direitos humanos, afirma Gilberto Gil, ministro da Cultural (palestra realizada em 30 jun. 2004 no Fórum Cultural Mundial sob o tema “Cultura e Desenvolvimento Social: Partilhando Responsabilidades”). Cultura e desenvolvimento são conceitos e processos necessariamente interligados e necessariamente compartilhados por todos.

Cultura é criatividade. As indústrias criativas representam hoje, não apenas para o Brasil, mas para muitos países em desenvolvimento, o coração de suas chances de sucesso na globalização, avalia Gilberto Gil. A indústria da música, do cinema, do “design”, das publicações, da “web”, do “software”, da fotografia, dos variados conteúdos culturais, da diversão, enfim, tornam-se vitais em vários países emergentes, aduz o ministro da Cultura. Esses países passam a ser produtores e não apenas consumidores dos bens simbólicos e materiais criativos, diz ele.

A cultura é parte do processo econômico, geradora de emprego e renda. Tem potencial econômico no setor cultural: a defesa e expansão de nossos valores, nossas artes, nosso patrimônio, nossa música, teatro e cinema, nossa gastronomia, nosso saber e nosso fazer, explica Joaquim Falcão.

Os EUA transformaram Hollywood em um produto cultural de exportação, de inestimável valor econômico e estratégico, ressalta Falcão.

A fábrica de ilusões de Hollywood, com seus três mil filmes anuais, rende para os seus estúdios 35% das receitas de toda a indústria cinematográfica no mundo e uma audiência de 2,6 bilhões de pessoas ao redor do planeta (Valor, São Paulo, 16 jul. 2004, “Fim de Semana & EU”, p. 10).

O Ministério da Cultura brasileiro tem trabalhado com três aspectos relativos à cultura, explica Paulo Miguez, secretário de Avaliação e Promoção de Políticas Públicas Culturais do referido Ministério (entrevista em 02 mar. 2004 à jornalista Vânia Lima): 1) a cultura como espaço de realizações das múltiplas identidades; 2) o direito de cidadania, pois todos temos direito à memória, acesso às informações, nossas raízes, etc.; 3) a cultura como parte do processo econômico. A participação de todos os setores sociais nos processos culturais é um desafio. A cultura deve ser abordada como eixo estratégico de desenvolvimento, conclui Paulo Miguez.

A luta contra a pobreza não será vencida enquanto os países não trabalharem para suas sociedades serem culturalmente diversificadas e inclusivas. Essa a principal conclusão do “Relatório do desenvolvimento humano – Liberdade cultural num mundo diversificado”, lançado em 15.jul.2004 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD (Folha de S. Paulo, São Paulo, 15 jul. 2004, p. A11). A exclusão cultural se dá de duas formas, de acordo com o PNUD: 1) por meio da rejeição do modo de vida de determinados grupos (resultado do pensamento, ainda vigente por insistência, segundo o qual todos devem viver conforme o estilo da maioria); 2) por meio da discriminação ou das desvantagens impostas às minorias nas disputas por oportunidades sociais, políticas e econômicas. Essa exclusão de participação expressa-se em políticas discriminatórias, como a negação da cidadania, investimentos em saúde e educação desprivilegiando determinadas regiões e desfavorecimento em entrevistas de emprego e no pagamento de salários.

A liberdade cultural é um direito humano, e o Estado é obrigado a promovê-la. Desenvolvimento não é só saúde, educação, trabalho e liberdades. A expansão da liberdade cultural exige políticas explícitas para impedir a negação dos direitos culturais em cinco áreas primordiais: participação política, religião, acesso à justiça, língua e acesso a oportunidades sócio-econômicas, diz o PNUD (Valor, São Paulo, 16 jul. 2004, “Fim de Semana & EU”, p. 15).

As políticas reguladoras da globalização econômica têm de promover as liberdades culturais e não subjugá-las, defende o PNUD (idem)

O objetivo das políticas multiculturais não é só de preservar a tradição, mas proteger a liberdade cultural e expandir as opções das pessoas. As pessoas não podem ser penalizadas por suas escolhas (idem).

Todos os países, de acordo com os dados disponíveis, são atualmente sociedades multiculturais com grupos étnicos, religiosos ou linguísticos com vínculos comuns às suas próprias tradições, culturas ou valores e estilo de vida. A migração internacional vem aumentando e tem impacto direto na diversidade cultural de muitas nações. Nos países desenvolvidos, uma em cada dez pessoas nasceu em outro lugar. Na década de 90, o fluxo dos países pobres para os ricos foi preponderante. A gestão da diversidade cultural é um dos principais desafios do nosso tempo. Aproximadamente 900 milhões de pessoas pertencem a grupos a enfrentarem discriminação ou exclusão na participação política, social, econômica ou ainda sofrendo discriminação no seu modo de vida (Valor, São Paulo, 16 jul. 2004, “Fim de Semana & EU”, p. 13).

O comércio de bens culturais movimenta um PIB mundial no valor de US$ 380 bilhões (Valor, São Paulo, 16 jul. 2004, “Fim de Semana & EU”, p. 10). Cresceu quatro vezes em 18 anos (somava US$ 95 bilhões, em 1980).

O desafio de uma política de cultura local é aumentar as opções culturais de seus habitantes, incentivando a preservação de seu cultura, mas mantendo as fronteiras abertas, adverte o PNUD (idem).

Segundo o PNUD, o debate sobre a internacionalização da cultura tem como ponto de partida a perda da identidade e a preocupação de defender a soberania, preservando heranças culturais e salvaguardando a cultura nacional dos influxos crescentes de pessoas, filmes, música e outros bens estrangeiros (idem).

A cultura deve ser vista como valor de identidade nacional no intercâmbio entre as nações do mundo, afirma Danilo Santos de Miranda, presidente do Fórum Mundial Cultural realizado em São Paulo (idem).

O Brasil é um dos poucos países do mundo com uma mídia com mais de 70% de produção local, em especial na área televisiva, ressalta Sérgio Miceli, professor da USP, autor de “Nacional estrangeiro”. O Brasil está entre os dez mercados mais importantes no segmento fonográfico e editorial. “Com isso a entrada de bens culturais americanos não é tão intensa”, conclui Miceli (idem).

Os filmes nacionais conquistaram 22% do público, em 2003, e o cinema no Brasil passou a ser competitivo, avalia Augusto Calil, professor de cinema da USP (idem).

O Brasil não pode competir no mundo moderno com 3,5 anos de escolaridade da força de trabalho. O Brasil precisa dizer o dia no qual todo mundo terá, no mínimo, 9 ou 12 anos de escolaridade, comenta Lester Thurow, economista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). Os coreanos e os chineses de Taiwan deixaram de ser, em 50 anos, um povo com a pior educação do mundo para se transformarem num povo dos mais bem-educados, lembra Thurow.