ESPERANÇA DAS PRERIFERIAS "SER NEGRO É SER LINDO"

um trecho do Livro Vermelho de SPENSY PIMENTEL, jornalista e estudante de antropologia, 29, que hoje mora em Brasília, onde é editor de especiais na Radiobrás. Vale a pena a leitura! (REPRODUÇÃO) DJ MABRUCK


Hip-Hop no Brasil: esperança nas periferias da periferia do capitalismo



"Negro é lindo, negro é amor, negro é amigo…"

Jorge Ben, 1971

"Sub-raça é a puta que o pariu!"

Câmbio Negro, 1993

Black Rio

O Hip-Hop não custou a chegar ao Brasil. Em 1982, a juventude da periferia já dançava o break e ouvia os primeiros raps. Isso porque desde os anos 70, na periferia das grandes cidades do país, eram comuns os bailes black, com muito soul e funk. O rap apenas deu continuidade a essa trilha.

Hermano Vianna pode dar uma idéia da escala desses eventos. Segundo seu livro (veja cap. 1), na mesma época em que Grandmaster Flash realizava suas primeiras festas com 3 ou 4 mil pessoas em Nova York, no Rio de Janeiro havia bailes soul para até 15 mil pagantes. A partir dos primeiros Bailes da Pesada, organizados pelo discotecário Ademir Lemos e o locutor de rádio Big Boy, o Black Power espalhou-se pelo Brasil, sobretudo por São Paulo, Brasília e Salvador. Os eventos da equipe Soul Grand Prix apresentavam a projeção de slides com cenas de filmes sobre os negros americanos, além de fotos de negros famosos, músicos ou esportistas brasileiros ou estrangeiros.

Em sua edição de 26/7/2000, o Jornal do Brasil trouxe uma boa reportagem sobre o tema, com depoimentos de gente do calibre de Don Filó e Gerson King Combo. Entre outras curiosidades, o texto lembra que "caravanas de Minas, São Paulo e Espírito Santo vinham para os bailes no Rio. Em meados dos anos 70, já havia mais de 50 equipes atuando na cidade. (…) O documentário Wattstax, de Mel Stuart (com Richard Pryor, Isaac Hayes, Jesse Jackson), vira moda entre os blacks. Também moda foi o livro Uma Alma no Exílio, de Eldridge Cleaver". E tem mais:

"Os primeiros bailes do que se pode chamar de black music surgiram no início dos anos 70, no extinto Astoria, clube que ficava no Catumbi. (…) Depois, os eventos foram indo para a Zona Norte (Rocha Miranda, Colégio, Guadalupe) e para a Zona Oeste (Realengo, Bangu), regiões que tinham clubes com capacidade para até 10 mil pessoas. Mas o clube Carioca, no Jardim Botânico, também dava chance aos da Zona Sul (quer dizer, os ‘bacanas’ do Rio) de dançar soul music, se quisessem."

Depois de a mídia tornar aquele movimento conhecido como "Black Rio", Paulão, dono da equipe Black Power, e Nirto e Don Filó, da Soul Grand Prix, chegaram a ser detidos pela polícia política da ditadura militar, o DOPS, que acreditava que por trás da organização dos bailes havia grupos revolucionários de esquerda.

Nada disso. Eles mesmos diziam aos jornais: "É só curtição, gente querendo se divertir…". Mas o despontar do orgulho negro incomodava o poder… Da mesma reportagem do JB:

"As duras da polícia, comuns no caminho de quem ia aos bailes, viraram cadeia para alguns dos expoentes do circuito black. ‘Em 74, entrou um batalhão no Guadalupe Country Clube, no lançamento de um disco da equipe Soul Grand Prix’, lembra Don Filó. ‘Peguei o microfone e agradeci a presença do coronel, dizendo que ele estava ali para garantir a ordem. Foi tudo que pude fazer. Ele falou que eu tinha resolvido um problemão, porque a ordem era baixar o cacete. Puseram um capuz em mim e fui levado para interrogatório’, completa o veterano."

Com o tempo, porém, a temática política foi desaparecendo dos bailes do Rio. O soul e o funk foram substituídos pelo miami bass, que se tornou conhecido como "funk carioca". Por que o rap lá não seguiu a mesma evolução que em São Paulo? Difícil até para os pesquisadores explicar isso. Os bailes se tornaram marca registrada da Cidade Maravilhosa. Calcula-se que mais de 1 milhão de jovens freqüentam toda semana os mais de 500 bailes espalhados pela Grande Rio.